O Instituto da Detração na Justiça Desportiva: uma profundidade para além do Código



Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira

Vale já de início a importante ressalva no sentido de que o artigo que ora se pretende escrever tende a ser curto e objetivo, a cumprir sua finalidade informativa e o seu papel de reflexão no ambiente jurídico desportivo nacional.

A escolha do tema, para além do aproveitamento de debates recentes travados no âmbito de uma corte disciplinar desportiva, se dá pela relevância e transcendência de suas implicações, sobretudo a considerar a natural especificidade regulamentar de variadas (e diferentes) modalidades esportivas no Brasil, e a efetiva aplicação de regras jurídicas para a solução de questões afetas à disciplina desportiva.

Um olhar raso quanto ao título do artigo, sem dúvida levaria o leitor a um possível desinteresse temático, diante de uma aparente (e só aparente) obviedade da aplicação do instituto da detração na esfera sancionatória desportiva, e neste caso, com a delimitação do tema às consequências oriundas das suspensões automáticas geradas, a título exemplificativo, pelas expulsões em partidas, provas ou equivalentes. 

A sensação de obviedade talvez resida no fato de que a detração não se insere (e nem seria necessário) na órbita dos debates desenvolvidos no âmbito disciplinar do futebol brasileiro, uma vez que o tema está expressamente regulado no artigo 60, §2º do Regulamento Geral de Competições da Confederação Brasileira de Futebol.

Disso decorre, e com alto grau de naturalidade, que o reconhecimento inequívoco da aplicação do instituto da detração na Justiça Desportiva do futebol, faz gerar a sensação de obviedade de sua aplicação em quaisquer julgamentos de quaisquer cortes disciplinares, de forma indistinta, em quaisquer esportes, explicado pela intensidade de casos julgados no contexto futebolístico, e a publicização de suas decisões, além da clara regulação esportiva, embora de caráter geral, voltada quase que exclusivamente ao futebol, a exemplo da Lei n. 9.615/1998 e do próprio Código Brasileiro de Justiça Desportiva, claramente influenciados pela modalidade.

Ressalta-se, porém, diante do inviável decalque jurídico às demais modalidades indistintamente, que a sua aplicação deve ser dar a partir de mínima atividade hermenêutica, de modo a valorizar o uso correto do instituto no contexto da lógica decisória, até porque, em uma rápida análise do CBJD, não se verifica, no contexto sancionatório, a possibilidade expressa de aplicação do instituto da detração nos casos de cumprimento de penalidade automática, geralmente prevista em regulamentos próprios das entidades. A esse propósito, vale destacar que o CBJD, quando quis (e pôde) regular o instituto, o fez de forma expressa para as situações retratadas nos artigos 35 e 105 do codex, em ambos os casos abordando as já jurídica e comumente conhecidas suspensões preventivas.

De forma mais concreta, fazendo referência ao Processo n. 003/2023/STJD/CBV, e a partir das premissas postas, traz-se a conhecimento do leitor o julgamento do Recurso Voluntário interposto pela Procuradoria da Justiça Desportiva em caso recente envolvendo atleta participante da Superliga Masculina de Vôlei, ocasião em que a CBV, enquanto Entidade Nacional de Administração da modalidade, peticionou nos autos levantando a dúvida acerca da aplicação do instituto da detração. 

Em breve síntese, sustentou a CBV que o atleta havia sido punido com a penalidade de suspensão automática, e que diante da omissão do regulamento da competição, as penas aplicadas pela Justiça Desportiva deveriam ser consideradas independentes, somando-se ao final àquelas aplicadas de forma automática, i.e., sem o reconhecimento da detração.

Nesse particular, a defesa do atleta, e neste caso, exercida por este mesmo subscritor, para além das questões relativas ao mérito da conduta infracional, que certamente ficará para um outro momento, se insurgiu contra a pretensa medida sugerida em forma de questionamento pela CBV, sustentando, em linhas gerais, que o instituto da detração, embora não expressamente previsto no Regulamento da Superliga (e deveria ser), é de aplicação legítima e recomendada nos processos de cunho sancionatório, sendo uma questão de Direito e obviamente de garantias, independente do órgão ou tribunal.

Ademais, para que se afaste qualquer argumento no sentido de que a sua possibilidade de aplicação dependeria de previsão expressa no CBJD, nos moldes do que ocorre com a suspensão preventiva, vale lembrar que o código é geral, aplicável a todos os esportes, não descendo ao detalhe e às mínimas especificidades de cada uma das modalidades esportivas. Ao contrário da suspensão preventiva, que naturalmente é instituto jurídico que transcende o mundo do esporte, sendo a suspensão automática uma peculiaridade esportiva, por evidente que não se pode esperar de um código público o tratamento de questões tão específicas, por absolutamente inviável.

Cabe ao intérprete, portanto, na já referida mínima atividade hermenêutica, entender a própria natureza da detração, e suas legítimas finalidades, que visam frenar a ânsia e o abuso punitivos no processo disciplinar e evitar a violação ao ne bis in idem, que no sistema esportivo brasileiro, inclusive, ganha ainda mais relevo, a considerar que o somatório de uma penalidade automática e, portanto, administrativa/associativa/regulamentar, aplicada pela Confederação, e da penalidade aplicada por órgão da Justiça Desportiva, subverteria a lógica disciplinar no país, desconsiderando a própria competência legal e constitucional do STJD para a aplicação de penalidades no âmbito disciplinar e de competições, o que precisa, da mesma forma, ser considerado.

Em conclusão, a tese da defesa no tocante à aplicação da detração foi acolhida por unanimidade pelo Pleno do STJD da Confederação Brasileira de Voleibol, a partir do voto do Auditor Relator, Eduardo Affonso de Santis Mendes de Farias Mello, cuja decisão representa importante precedente garantista em processo disciplinar e, portanto, de cunho sancionatório, não apenas no sistema do voleibol, mas em toda a Justiça Desportiva do país, e contribui significativamente com a evolução do próprio Direito Desportivo Disciplinar, que mais que punir, deve buscar aplicar o Direito com sabedoria, parcimônia, razoabilidade e proporcionalidade, elementos que podem gerar confiança em um sistema já tão desgastado e tão carente de amadurecimento.

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