Afirmação da autonomia do direito desportivo e tensões provocadas pela disputa de densidade normativa



Ricardo Tavares Gehling2

Resumo

O artigo busca primeiramente definir em que medida se pode afirmar o Direito Desportivo como ramo autônomo do Direito. Partindo de critérios doutrinários para definir a autonomia de um ramo jurídico, o estudo destaca, com foco nas relações de trabalho desportivo, divergências jurisprudenciais e objetiva apontar como causa dessa disparidade as tensões decorrentes da disputa de densidade entre normas do mundo desportivo e do Direito do Trabalho comum.

Palavras-chave: Direito Desportivo. Autonomia. Desporto. Esporte. Direito do Trabalho Desportivo.

Sumário: 1. O Direito e suas ramificações. 2. Critérios para definir-se a autonomia de um ramo jurídico. 3. Existe um ordenamento jurídico desportivo autônomo? 4. A multidimensionalidade do desporto e tensões decorrentes. 4.1. O caso Bosman. 4.2. A entidade de prática desportiva como empregadora. 4.3. Imprecisões sobre a natureza jurídica do contrato de trabalho desportivo. 5. Conclusão.

1. Introdução.

Quem, desavisadamente, decidir estudar o que se tem denominado Direito Desportivo, ou especialmente o Direito Desportivo do Trabalho, tendo como fonte única a jurisprudência ficará, certamente, desnorteado pela falta de uniformidade das decisões judiciais.

É certo que a jurisprudência brasileira, em qualquer área, está repleta de divergências, mas estas na seara desportiva são sem dúvida mais acentuadas, o que nos faz supor que a causa desse fenômeno está justamente no incipiente

1 Artigo desenvolvido com base em palestra proferida em 22/03/2016, durante o JURISPORTS ROMA, promovido pela ANDD em parceria com a Sapienza Universitá di Roma.

2 Advogado, sócio de GEHLING ADVOGADOS. Desembargador aposentado do TRT/RS. Membro Fundador da Academia Nacional de Direito Desportivo. Professor convidado do Curso de Pós-Graduação da PUC-RS. E-mail: ricardo@gehling.com.br

amadurecimento da autonomia do Direito Desportivo frente aos ramos preexistentes do Direito.

O Direito do Trabalho, especialmente, sustenta-se em princípios nucleares que são constantemente desafiados pelas especificidades da relação de trabalho desportiva.

1. O Direito e suas ramificações.

A ideia dos ramos do direito vem da tradição romana, em que a teoria das duae positiones é atribuída a Ulpiano, em texto complementado por interpolações dos glosadores, segundo o qual o Direito Público diz respeito ao Estado Romano (quod ad statum rei romanae spectat) e o Privado aos interesses dos indivíduos singulares (quod ad singulorum utilitatem).

Mesmo nessa divisão básica – que em certa medida persiste até os dias de hoje, fragilizada na idade média por influência do direito germânico que a desconhecia - não convergem totalmente os juristas. Conforme SEBASTIÃO ALVES DOS REIS (1998, P. 64), Roubier identificou 17 opiniões diferentes, entre monistas e dualistas. Hollinger arrolou 114 critérios técnicos distintivos. Pontes de Miranda mais de 20. Outros reduzem a enumeração a itens mais simplificados. KELSEN, expoente de uma das correntes monistas, chegou a falar em "caos de opiniões contraditórias e ambíguas", negando validade à divisão romana por ser insatisfatória (1995, p. 202-206).

A complexidade crescente das relações jurídicas acarreta, ainda, a necessidade de compreensão de um tertium genus, configurando uma zona intermediária, onde convivem regras aprovadas com objetivos diferentes e até contraditórios, em que se situam ramos do Direito tais como o do Trabalho, o Econômico, o Ambiental, entre outros.

No Direito do Trabalho estão em zona de conflito permanente, por exemplo, o princípio da irrenunciabilidade com o da conciliação; a garantia de integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento na empresa com a terceirização; as garantias legais cogentes e a autonomia da vontade coletiva.

2. Critérios para definir-se a autonomia de um ramo jurídico

Embora o Direito tenha uma unidade, possuindo métodos e princípios que lhe dão a configuração e independência necessárias e indispensáveis a um campo da ciência social, especializar e delimitar o seu conhecimento é cada dia mais essencial, para dar-lhe eficácia e efetividade.

Os variados ramos do Direito surgem com esta missão racionalizadora, de simplificação voltada ao aprofundamento do estudo, interpretação e aplicação das normas jurídicas.

As normas jurídicas são agrupadas sempre que se privilegiam as similitudes. Quando se dá ênfase às diferenças, são inseridas em classes ou categorias distintas. E como numa mesma classe nem todas as características

são idênticas, criam-se subclasses e subgrupos (SUNDFELD, 1993, p. 127-128).

Há, por certo, componentes de arbitrariedade nestas classificações, que remetem a uma imagem cartesiana da ciência como “árvore”, mas alguns critérios técnicos devem ser utilizados para a confirmação da autonomia de áreas delimitadas do Direito, sob pena de a suposta especialização não passar de mera compartimentalização de algum ramo preexistente.

Segundo RODRIGUES PINTO (1995, p. 57-61), a autonomia se completa em três estágios: (i) o da autonomia científica, quando princípios e conceitos anteriormente ligados ao ramo do qual se pretende desmembrar o novo ramo adquirem densidade suficiente para serem identificados em relação a outros princípios e conceitos a partir dos quais se desenvolveram; (ii) o da autonomia legislativa, como um reflexo do estágio anterior: o novo lastro teórico passa a exigir novas regras jurídicas com ele compatíveis; e (iii) o da autonomia didática, quando a construção teórica e o arcabouço legal induzirem à necessidade de ensino próprio, com programa específico inserido na grade curricular das universidades.

3. Existe um ordenamento jurídico desportivo autônomo?

De acordo com CANOTILHO (2010, p. 8-9), a partir do esquema da pluralidade de ordenamentos jurídicos a doutrina3 tenta estruturar a construção do ordenamento jurídico desportivo como um ordenamento jurídico:

a) originário, porque (i) resulta da agregação espontânea de sujeitos em torno de uma específica identidade de interesses e necessidades de base à qual está subjacente a partilha de valores comuns e (ii) arranca de um pacto fundador - A Carta Olímpica de 1894 - que passou a constituir a ossadura jurídica e estatutária de um número crescente de atividades e organizações desportivas;

b) particular, pois, diferentemente de um ordenamento geral, como é o do Estado, se restringe a perseguir interesses determinados, expressos em diversas disciplinas desportivas;

c) dotado de uniformidade e efetividade, pois se trata de um complexo de normas editadas pelas autoridades organizativas do ordenamento em questão (sobretudo Comitê Olímpico Internacional e Federações desportivas Internacionais) aplicadas como normas obrigatórias, de forma a assegurar a sua efetividade real.

3 CANOTILHO (2010, p. 8) faz referência à obra de MASSIMO SEVERO GIANNINI, com dois trabalhos célebres: “Prime Osservazioni Sugli Ordenamenti Giuridici Sportivi”, Rivista de Diritto Sportivo, 1949, p. 10 segs; “Ancora Sugli Ordinamenti Giuridici Sportivi”, Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, 1996, p. 671 segs.

d) autônomo, porque baseado na produção e desenvolvimento de normas próprias, mesmo quando estas tenham interpenetração com os ordenamentos gerais, em virtude das posições cada vez mais plurais do homo sportivus;

e) de caráter internacional, porque se trata de um ordenamento existencialmente construído como ordenamento "extra-Estado" e, até, "supra-Estado", que tem como destinatários milhares de indivíduos em diversos países.

Superada a fase em que a prática desportiva ocorria por mero lazer ou diletantismo, o esporte foi albergado pelo Direito e a autonomia da novel disciplina alcançou o grau máximo de autonomia em seu núcleo duro, isto é, naquilo que diz respeito às regras e à disciplina das competições.

No Brasil, a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto à sua organização e funcionamento, é respaldada por norma constitucional:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;

IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

Esta autonomia, segundo o próprio autor da proposta que deu origem ao texto constitucional, o ilustre Professor e membro da Academia Nacional de Direito Desportivo, ÁLVARO MELO FILHO (2011, p. 45), "não intenta nem pretende fazer do desporto uma seara apartada do Direito; ao revés, constitui-se em fonte de fundamentação e oxigenação de todo o sistema jusdesportivo".

Fora desse núcleo duro, todavia, nas áreas de contato e interpenetração com os ordenamentos gerais (direito do trabalho, direito civil, direito penal, direito tributário etc.), fala-se da autonomia possível, sem saber ao certo sua medida.

De qualquer sorte, a marca fundamental do direito desportivo é mesmo a busca por autonomia, desde o momento em que o esporte passou a ser tratado como business, interagindo com diversas áreas do Direito.

4. A multidimensionalidade do desporto e tensões decorrentes.

A multidimensionalidade corresponde à expressão da relevância socioeconômica do fenômeno desportivo. Mas é forçoso reconhecer, com CANOTILHO (ob.cit., p. 19), que o dinheiro no desporto de certa forma desafia a sua própria autonomia, remetida para um lugar pouco definido entre o mercado e o Estado.

Esta integração do desporto no sistema de comunicação e de consumo globais tem como consequências diretas: (i) hierarquização das modalidades desportivas segundo sua capacidade de prime-time, isto é, de inserção nos horários nobres televisivos (acentuação da sua natureza econômica); (ii) exigência de grandes investimentos e, consequentemente, risco cada vez maior de graves dificuldades financeiras às entidades desportivas que passam a depender do Estado para mediar seu saneamento financeiro; (iii) aumento da litigiosidade dos atletas e das entidades desportivas no confronto com os organismos desportivos, pois qualquer sansão é quase sempre a causa de danos econômicos relevantes.

Tudo isto acaba por originar novos e importantes momentos de tensão com os ordenamentos estatais e transnacionais, na proporção em que, neste processo de internormatividade4 e densificação de novos princípios, as precompreensões originárias do fenômeno desportivo oponham maior ou menor resistência. Nestas compreensões originárias incluem-se desde aspectos lúdico-pedagógicos ligados ao modelo anterior até especificidades das relações desportivas que as distinguem de uma relação de trabalho comum.

Neste espaço em que o fenômeno desportivo se entrelaça com normas de um ramo preexistente, como o Direito do Trabalho, formando o que se tem denominado Direito do Trabalho Desportivo, o intérprete e aplicador é constantemente desafiado, na medida em que princípios e normas do mundo desportivo dialeticamente disputam densidade com normas e princípios preexistentes.

4 Internormatividade, na acepção de CANOTILHO (ob. cit., p. 8 -9), é a “interpenetração” entre ordens jurídicas diferenciadas. Fala-se, por exemplo, de internormatividade para caracterizar as relações entre o “sistema jurídico do Estado” e o “Sistema canônico da Igreja Católica”, ou entre o “ordenamento jurídico estatal” e o “ordenamento jurídico desportivo”. Nos tempos mais recentes, a ideia da internormatividade é convocada para explicar as relações no seio de uma comunidade jurídica transnacional (como é a União Europeia, entre o ordenamento da União e o ordenamento dos Estados-membros).

São muitas as situações em que as tensões provocadas por esse fenômeno se mostram claramente. Exemplificativamente, podemos citar algumas.

4.1. O caso Bosman

O famoso caso teve consequências jurídicas e econômicas que extrapolaram as fronteiras da União Europeia. Assegurando a livre circulação do atleta, como trabalhador, e afastando a possibilidade de cobrança de valores pela transferência de jogadores europeus de futebol dentro do espaço comunitário, o precedente inspirou alterações de ordenamentos jurídico-desportivos no mundo inteiro.

No Brasil, a consequência imediata foi a promulgação da Lei 9.615/98 (Lei Pelé) e a extinção da figura do “passe”.

Interessante notar, como lembra CANOTILHO (ob. cit., p. 15), que até o “Caso Bosman” era comum constar dos regulamentos desportivos a cláusula de que “é expressamente reconhecido e aceite que o contrato com o atleta não é nem um contrato de emprego nem um contrato de trabalho”.

4.2. A entidade de prática desportiva como empregadora

Um dos pontos de maior tensão que o Direito Desportivo enfrenta, na interpenetração com o Direito do Trabalho, rumo à progressiva afirmação de sua autonomia, tem a ver com uma diferença primária e fundamental de caráter subjetivo.

O legislador equiparou o empregador comum à empresa (Art. 2º da CLT), considerando como tal quem admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço (Art. 3º da CLT). Está no DNA da empresa a busca do lucro, por isso que o empregador assume os riscos da atividade econômica (diretriz também conhecida como alteridade). O Direito do Trabalho e seus princípios fundamentais têm aí a sua justificação maior, atuando o dirigismo jurídico estatal como forma indispensável ao restabelecimento do equilíbrio entre as partes do contrato de trabalho.

Em contrapartida, a entidade de prática desportiva, embora cada vez mais dependa da acumulação de recursos, não tem sua atividade voltada primordialmente à obtenção de lucro. Enquanto na economia se busca eliminar o concorrente, no desporto os concorrentes, ou melhor dizendo, os adversários, se complementam. A lógica, como já referimos, é substancialmente diferente, pois ‘os competidores desportivos necessitam uns dos outros para produzirem o que eles vendem, e estão sempre ‘separadamente juntos’. São naturalmente adversários no plano desportivo e parceiros no plano econômico, tudo sob o manto da gloriosa incerteza do resultado (MARIA JOSÉ CARVALHO, apud MELO FILHO, 2011, p. 17-18).

A desconsideração dessa circunstância originária contamina toda e qualquer interpretação subsequente.

4.3. Imprecisões sobre a natureza jurídica do contrato de trabalho desportivo

Até a promulgação da Lei 6.354/76 evitava-se definir com clareza a relação jurídica do atleta profissional com a entidade de prática desportiva, pois apenas parte da doutrina e da jurisprudência sustentava que se tratava de um contrato de trabalho.

O Decreto-lei nº 5.342/1943 dispunha, com sintomática imprecisão, que “as relações entre atletas profissionais ou auxiliares especializados e as entidades desportivas, regular-se-ão pelos contratos que celebrarem, submetendo-se estes às disposições legais, às recomendações do Conselho Nacional de Desportos e às normas desportivas internacionais.”

No leading case “Batatais x Fluminense Football Club”, em que o atleta pleiteava judicialmente o reconhecimento de vínculo de emprego e estabilidade decenal, pois tinha mais de 10 anos de vinculações com o Clube, o TST5 decidiu: “O jogador de futebol é um assalariado, cujos direitos, em face do empregador, não diversificam dos reconhecidos a outras categorias, cabendo-lhe, portanto, direito à estabilidade, que não pode ser objeto de transação entre empregadores”.

Porém, na decisão final do STF6 foi ressalvado: “Profissional de futebol e sua atividade congênere à exercida pelos artistas. Inexistência de relação de emprego no sentido comum. Peculiaridades da matéria. Impossibilidade de adquirir estabilidade”.

Entretanto, transcorridos mais de 60 anos, os efeitos de sucessivos contratos de trabalho por prazo determinado ainda suscitam controvérsia nos tribunais no trabalho.

O artigo 30 da Lei Pelé estipula com clareza e literalidade que “O contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos”. E mais, no parágrafo único do referido dispositivo legal a aplicabilidade dos artigos 4457 e 4518 da Consolidação das Leis do Trabalho é expressamente afastada.

Sem embargo destes dispositivos legais e da jurisprudência histórica consolidada desde o caso Batatais x Fluminense, o TST já decidiu que “apesar da determinação do prazo, conta-se a prescrição da data da extinção do último contrato”9.

5 Rel. Min. Astolfo Serra – Publicado no DJ 20/03/1948.

6 RE nº 15.932 – 18/09/1950 – Rel. Min. Macedo Ludolf.

7 Art. 445. O contrato de trabalho por prazo determinado não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos, observada a regra do art. 451.

8 Art. 451. O contrato de trabalho por prazo determinado que, tácita ou expressamente, for prorrogado mais de uma vez passará a vigorar sem determinação de prazo.

9 TST/8ªTurma – ARR-164300-68.2008.5.03.0105, Agravante e Recorrido Cruzeiro Esporte Clube – Agravado e Recorrente Mauro Sérgio Viriato Mendes – Rel. Des. Convocado Sebastião Geraldo de Oliveira – DEJT 19.12.2011.

Existem precedentes, todavia, do mesmo Tribunal Superior do Trabalho, que “afastam, de forma contundente, o pleito de reconhecimento da unicidade contratual, em razão da firme previsão constante na lei Esportiva, em especial o art. 30 da Lei Pelé”, como bem lembra CORRÊA DA VEIGA (2016, p. 112) ao citar o caso julgado pela 4ª Turma do TST, envolvendo o atleta Thiago Rocha da Cunha e o Botafogo de Futebol e Regatas10.

É conflitante a jurisprudência trabalhista, também, sobre a possibilidade de reconhecimento de contrato tácito de trabalho desportivo.

Nas instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho brasileira tem predominado, acentuadamente, decisões que admitem a possibilidade de reconhecimento de contrato tácito de trabalho desportivo, com base no princípio da primazia da realidade, ainda que isso desafie frontalmente os requisitos formais impostos pela lei especial (art. 28 da Lei 9.615/98).

O TST tem poucos julgados enfrentando o mérito da controvérsia, pois a maioria dos recursos de revista esbarra no não conhecimento decorrente da aplicação da Súmula 12611 daquela Corte. Mas é significativa a disparidade das decisões:

“O Regional, após análise do conjunto fático-probatório, assegurou que ficaram caracterizadas as condições jurídicas previstas nos artigos 2º e 3º da CLT. Desta forma, negou provimento ao recurso ordinário da reclamada, mantendo a sentença que reconheceu o vínculo empregatício entre as partes. Trata-se de interpretação razoável da legislação aplicável à hipótese, tendo em vista a situação fática dos autos, o que não autoriza a conclusão de que o acórdão regional teria violado os dispositivos legais mencionados pela recorrente.” (TST-RR-446900-55.2006.5.12.0050; 6ª Turma; Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho; Publicação: 11.05.2011).

“A regra geral consolidada não se aplica sobre a especial extravagante. O ‘contrato-realidade’ não prevalece quando há norma expressa facultando o clube a admitir desportista não-profissional sem vínculo empregatício.” (TST AIRR-235240-64.2003.5.02.0201; 6ª Turma; Rel: Min. Maurício Godinho Delgado; Publicação: 25/08/2010).

Em cada um desses casos vislumbra-se claramente que na origem da controvérsia está a tensão decorrente do maior ou menor valor atribuído às especificidades da relação desportiva frente aos princípios e normas do Direito do Trabalho comum, ou seja, ao maior ou menor grau de amadurecimento que se reconheça ao Direito Desportivo como ramo autônomo do Direito.

10 RR-1552-69.2011.5.01.0031 – Relator Ministro João Oreste Dalazen – DEJT 3.7.2015.

11 RECURSO. CABIMENTO - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Incabível o recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e 894, "b", da CLT) para reexame de fatos e provas.

5. Conclusão

O encontro do esporte com o Direito criou um novo ramo da ciência jurídica, originário e transnacional, cujo grau de autonomia alcança o seu ponto máximo no que diz respeito aos regramentos e à disciplina das competições desportivas.

Mas não se esgotam aí as suas fronteiras. O caráter multidimensional do desporto, a relevância socioeconômica que o fenômeno desportivo acabou recebendo, bem como sua inserção como produto de comunicação e de consumo globais multiplicam cada vez mais os pontos de contato e interpenetração com outros ramos do Direito, numa dialética permanente entre autonomia e dependência.

Ponderar princípios que disputam densidade no mesmo espaço multidimensional, descortinar novos conteúdos sem perder de vista o continente, reconhecer as especificidades e interferências do desporto quando confrontado por normas de ramos preexistentes do Direito, estes são os desafios que o Direito Desportivo, na inexorável busca de afirmação da sua autonomia, nos apresenta.

REFERÊNCIAS

ALVES DOS REIS, Sebastião. Revista de Informação Legislativa, N. 35. Brasília, 1998, p. 64.

CORREA DA VEIGA, Maurício de Figueiredo. Manual de Direito do Trabalho Desportivo. LTr. São Paulo, 2016.

GOMES CANOTILHO, J. J. Internormatividade Desportiva e Homo Sportivus. Direito do Desporto Profissional – Contributos de um Curso de Pós-Graduação. Coordenação: João Leal Amado e Ricardo Costa. Coimbra. Almedina, 2010.

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. Tradução de Luís Carlos Borges (original inglês General Theory of Law and State). São Paulo: Martins Fontes, 1995. 433p.

MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé - Avanços e Retrocessos. Rio de Janeiro: Maquinária Editora, 2011.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1995.

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

Veja também