Confederações Esportivas e Função Social: breves considerações



Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira

Árbitro da Court of Arbitration for Sport (CAS). Doutorando em Direito do Trabalho pela Sapienza Università degli Studi di Roma I, Itália, Mestre em Direito Desportivo pela Universitat de Lleida, Espanha, Especialista em Direito Contratual pela Escola Paulista de Direito e em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Membro da Associazione Italiana Avvocati dello Sport, membro titular da Academia Nacional de Direito Desportivo, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo e fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual.

De forma geral, as confederações esportivas no Brasil, consideradas pela legislação pátria como entidades nacionais de administração do desporto, são constituídas sob a forma associativa e integram o Sistema Nacional do Desporto – SND (art. 13 da Lei n. 9.615/1998 – Lei Geral do Desporto) e o novo Sistema Nacional do Esporte – SINESP (art. 11 e ss. da Lei n. 14.597/2023 – Lei Geral do Esporte). 

Algumas delas, diante do atendimento a certos requisitos estabelecidos nos normativos pertinentes, são filiadas (ou vinculadas) ao Comitê Olímpico do Brasil (COB), neste contexto exercendo função de (i) fomento ao desporto no país, em especial por meio da sistemática de descentralização de recursos de natureza pública, e de (ii) representação nacional, na medida em que são representantes brasileiras no sistema internacional das variadas modalidades esportivas, ou seja, filiadas às respectivas federações desportivas internacionais, a exemplo da World Aquatics (desportos aquáticos), da World Taekwondo (taekwondo), da FIFA (futebol), da FIBA (basquetebol), da FIVB (voleibol), da FIJ (judô), para citar algumas, o que faz delas importante elo de sustentação das modalidades esportivas no país, a considerar que a lógica federativa, de complexo entendimento, é a que permite o adequado desenvolvimento do esporte olímpico, uma vez que o reconhecimento da entidade nacional é condição sine qua non para a própria participação de atletas nas competições oficiais, sobretudo no âmbito internacional, com destaque para os Jogos Olímpicos do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Deste fato resulta uma conclusão importante e inafastável: as confederações esportivas, embora de natureza associativa privada, exercem função essencial à concretização do dever público de fomento ao Esporte. E na linha da governança adequada para o manejo de recursos públicos, têm sua autonomia constitucional em matéria interna corporis legitimamente mitigada. Dita mitigação pode ser verificada, a título de exemplo, na forma do artigo 36 da nova Lei Geral do Esporte, no sentido de que devem obedecer a diversos ditames legais e infralegais como condição de acesso a recursos públicos.

A propósito do exercício de uma atividade institucional com fortes traços públicos, vale evidenciar o que diz o art. 12 da Lei Geral do Esporte, que por si só demonstra a relação umbilical entre a organização esportiva privada e os preceitos de cunho social. 

Vejamos:

“Art. 12. O Sinesp será organizado com observância dos seguintes princípios e diretrizes:

I - esporte como direito social;

II - igualdade de condições para o acesso ao esporte;

III - governança com base no princípio da gestão democrática e participação social;

IV - avaliação, controle social, acesso à informação e transparência da aplicação dos recursos públicos;

V - integração do planejamento, por meio de planos decenais de esporte dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em consonância com o Plano Nacional do Esporte (PNEsporte);

VI - colaboração intersetorial entre esporte e outras áreas, como saúde, educação, cultura, proteção da criança e do adolescente, trabalho e emprego e assistência social;

VII - utilização do esporte para promoção dos direitos humanos, da diversidade sociocultural e da sustentabilidade socioambiental;

VIII - fomento da implementação e da ampliação das políticas que visem à inclusão social, ao atendimento aos povos e às comunidades tradicionais e à valorização das pessoas com deficiência e necessidades especiais;

IX - descentralização e articulação da política esportiva e de lazer.”.

Aliás, a evidente função social da organização esportiva justifica o próprio financiamento público, em linha com o mandamento constitucional do dever de fomento, pelo Estado, às práticas esportivas formais e não formais, como direito de cada cidadão, estatuído no art. 217 da Constituição Federal e delimitado no plano legal pelo disposto na Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé), com suas posteriores alterações, dentre as quais pela própria Lei n. 10.264/2001 (Lei Agnelo Piva), tão conhecida no cenário olímpico nacional, pela Lei n. 13.756/2018 e pela atual e novel Lei Geral do Esporte (Lei n. 14.597/2023).

Em outros termos, e de forma simplificada, é de se entender que as entidades privadas esportivas, em grande parte constituídas sob a forma associativa, exercem importante papel no contexto da efetivação de medidas de interesse público, sobretudo a considerar a sua função social e, para além dos benefícios diretos aos praticantes das respectivas modalidades, os positivos impactos gerados na Sociedade, valendo recordar que ao próprio Estado é válida e, mesmo, essencial, a sua utilização como instrumento de Soft Power, com papel fundamental na formação e condução, pelo Esporte, de suas atividades típicas, a considerar a expressão social e cultural de uma nação.

A importância das organizações esportivas no contexto dos direitos sociais é tão evidente que, para além do tratamento constitucional dado ao esporte, o próprio legislador reconhece as suas peculiaridades sistêmicas, e inclusive reconhece a relevância de sua inserção no sistema federativo internacional, ou mesmo transnacional, recordando a dimensão da Lex Sportiva, esclarecendo que o esporte de alto rendimento é regulado por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática esportiva de cada modalidade, na forma disposta no art. 26, § 2º da Lei Geral do Esporte.

A este propósito, vale transcrever o dispositivo legal que pretendeu conceituar o elemento sistêmico transnacional:

“Art. 26. A autonomia é atributo da organização esportiva em todo o mundo, na forma disposta na Carta Olímpica, e limita a atuação do Estado, conforme reconhecido pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e inscrito na Constituição Federal, e visa a assegurar que não haja interferência externa indevida que ameace a garantia da incerteza do resultado esportivo, a integridade do esporte e a harmonia do sistema transnacional denominado Lex Sportiva.

§ 1º Entende-se por Lex Sportiva o sistema privado transnacional autônomo composto de organizações esportivas, suas normas e regras e dos órgãos de resolução de controvérsias, incluídos seus tribunais.

§ 2º O esporte de alto rendimento é regulado por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática esportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas organizações nacionais de administração e regulação do esporte.”. 

Ademais, para além das medalhas olímpicas e dos resultados esportivos mundiais conquistados, e para além da tradição e histórico das modalidades esportivas no Brasil, que em larga medida são responsáveis pelo incremento e incentivo à prática esportiva de crianças, adolescentes, jovens e adultos no país, as confederações exercem papel essencial na administração dos desportos, com a prestação de relevante função social, revelando-se eficaz instrumento de transformação social.

Contudo, a par da importância do Esporte na Sociedade, e via de consequência, das próprias organizações esportivas, importa ressaltar que no contexto do fomento público ao desporto, os resultados positivos gerados por uma verdadeira parceria estabelecida entre o Estado e o Particular, dependem, em larga medida, de uma adequada, planejada e eficiente atuação por este último, sendo certo que a adoção de medidas, por seus respectivos gestores, que atentem contra o interesse público, ou contra os Princípios Gerais da Administração Pública, ou que, meramente, não se amoldem à regularidade de sua atuação positiva, frustram ou tendem a frustrar os desejáveis benefícios que se vislumbram com a sua realização.

Nesse sentido, no contexto da função social, sobretudo pela própria peculiaridade e especificidade do esporte, se espera das confederações, enquanto organizações associativas integrantes do sistema esportivo, uma atuação proba, transparente, democrática, participativa, eficiente, e que se alinhe às boas práticas e a elevado padrão de governança, a fim de que os objetivos sejam atingidos de forma legítima e eficiente, não apenas do ponto de vista finalístico, mas também na perspectiva administrativa de gestão.

É o que a Sociedade espera do Esporte, e é como se defende a importância do Esporte no âmbito social, em breves considerações.

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