A Fraude no contrato de licença de uso de imagem

Guilherme Augusto Caputo Bastos



1. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho consiste em estudar a fraude e as suas mais diversas formas de manifestação no contrato de trabalho comum-aquele regi do, essencialmente, pelas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)- e, a partir daí, analisar como ela também se apresenta no contrato de licença de uso de imagem que, normalmente, é firmado paralelamente ao contrato especia l de trabalho desportivo, que encontra regência na Lei n° 9.615/98(Lei Pelé).

Antes, contudo, de adentrar propriamente no estudo da fraude, cum preme, para melhor compreensão do tema, traçar um paralelo entre o contrat o de trabalho comum e o contrato especial de trabalho desportivo, elen can do as s uas respectivas características e as principais diferenciações entre os vínculos d e emprego e de natureza desportiva.

2. CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO E O CONTRATO ESPECIAL DE TRABALHO DESPORTIVO

O contrato individual de trabalho encontra a sua conceituação legal nos artigos 442 e 443 da CLT1 e tem como sujeitos envolvidos o empregado (pessoa física) e o empregador (pessoa física ou jurídica). que se ligam entre si p or intermédio de um vínculo de emprego, cujo objeto consiste na prestaçã o de serviços de forma pessoal, não eventual, mediante subordinação jurídica e onerosidade.


Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relaçãode emprego. Parág rafo único ·Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vinculo empre gatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela. (Incluído pela Lei n° 8.949. de 9.12.1994) Art. 44 3- O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de t ra balho intermitente. (Redação dada pela Lei n°13-467, de 2017)
(...)

O autor Délio Maranhão, em sua obra Instituições de Direito do Trabalho,

assim conceituao contrato de trabalho:

"Contrato de trabalho é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga, mediante o pagamento de uma co ntraprestação (salário). a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa, física ou jurídica (empregador), a quem fica juridicamente subordinada:'2

Vale, aqui, deixar registrada a inovação trazida pela Reforma Trabalhista (Lei n°13.467/2017). que, através do§3° do artigo 443 da CLT3, introduziu uma nova modalidade de contrato de trabalho, o denominado contrato intermitente. Por meio dele, embora a prestação de serviços ocorra mediante subordinação, ela se dá de forma descontínua, com a alternância de períodos de trabalho e de inatividade, sem que tal circunstância leve à descaracterização do vínculo de emprego.

O contrato de trabalho comum difere do contrato especial de trabalho desportivo, porquanto esse último tem como sujeitos envolvidos o atleta profissional e a entidade de prática desportiva e visa a regulamentar um vínculo de natureza desportiva, que nasce a partir do registro desse contrato especial na entidade de administração do desporto.

O advogado Dr. Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga, na obra Manual de Direito do Trabalho Desportivo, assim conceitua o contrato de trabalho do atleta profissional:

"É o negócio jurídico celebrado entre uma pessoa física (atleta) e o clube, disciplinando condições de trabalho, algumas delas pré-fixadas na lex sportiva, de forma onerosa e sob a orientação do empregador ( clube)"4


2 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas. Instituições de direito do trabalho.

g.ed. São Paulo.1983. p. 212. v.I. Biblioteca Jurídica Freitas Bastos.

3 § 3° Considera -se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serv iços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternilncia de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do ti po de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por leg islação própria. (Incluído pela Lei n°13.467, de 2017)

4 VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Manual de Direito do Trabalho Desportivo. São Paulo: Ltr. 2016. p. 34.

Registre-se, por oportuno, que a natureza especial do contrato de trabalho desportivo não afasta a aplicação das normas gerais da legislação trabalhista ao atleta profissional, a qual pode ser feita de forma subsidiária, nos termos

do artigo 28,§4°,da Lei Pelés. Comisso, quer-se dizer que, por tratar-se de lei

especial, a Lei Pelé é a que irá, fundamentalmente, reger a atividade do atleta profissional. As regras da CLT apenas serão aplicáveis nos casos de omissão e desde, é claro, que não haja incompatibilidade.

Acresça-se, ainda, que uma das características mais determinantes dessa modalidade de contrato especial é o fato de ele ter sempre que serfirmado por prazo determinado, contrariamente ao que se verifica em relação aos contratos de trabalho regidos pela CLT. cuja regra é a de que tenham vigência por prazo in determinado.

A esse respeito, o caput do artigo 30 da Lei Pelé6 dispõe expressamente que "O contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nems uperio r a cinco anos:'


5 Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo. firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:(Redação dada pela Lei n°12.395. de 2011).

(...)

§ 4° Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da

Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, especialmente as seguintes: (Redação dada pela Lei n°12.395. de 2011).

l. se conveniente à entidade de prática desportiva, a concentração não poderá ser superior a

3(três) dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial, devendo o atleta f icar à disposição do empregador por ocasião da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede; (Redação dada pela Lei n°12.395. de 2011).

ll. o prazo de concentração poderá ser ampliado, independentemente de qualquer pagamento adicional, quando o atleta estiver à disposição da entidade de administração do desporto;

(Redação dada pela Lei n°12.395. de 2011).

lll. acréscimos remuneratórios em razão de períodos de concentração, viagens, pré-temporada e participação do atleta em partida, prova ou equivalente, conforme previsão contratual; (Redação dada pela Lei n°12.395. de 2011).

IV repouso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas ininterruptas, preferentemente

em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou equivalente, quando realizada

no final de semana; (Redação dada pela Lei n°12.395. de 2011).

V. férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias, acrescidas do abono de férias, coincidentes com o recesso das atividades desportivas; (Incluído pela Lei n°12.395. de 2011).

VI. jornada de trabalho desportiva normal de 44 (quarenta e quatro) horas semanais. (Incluído pela Lei n°12.395. de 2011).

6 Art. 30. Ocontrato de trabalhodo atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos. (Redação dada pela Lei n° 9.981, de 2000) Parágrafo único. Não se aplica ao contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional o disposto nos arts. 445 e 4Sl da Consolidação das Leis do Trabalho- CLT. aprovada pelo Decreto-Lei n°5-452, de 1° de maio de1943. (Redação dada pela Lei n°12.395. de 2011).

Outro aspecto marcante desse contrato especial refere-se à obrigatoriedade de que nele constem as cláusulas indenizatória e compensatória.?

Como se vê. o contrato firmado entre o atleta profissional e a entidade de prática desportiva reveste-se de especialidade em relação ao contrato de trabalho regido pela CLT. não só em função das partes envolvidas. mas também em face da obrigatoriedade de ter que ser firmado por prazo determinado e também por conter cláusulas obrigatórias. previstas no artigo 28.1 e11. da Lei Pelé.

Por fim, impende registrar que o vínculo desportivo ostenta natureza acessória em relação ao vínculo de emprego, tendo em vista que apenas surge com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto. Nesse sentido dispõe o artigo 28.§5°. da Lei Pelé:

"§ 5° O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais: (Redação dada pela Lei n°12.395. de 2011).

(...)"

Feitas essas breves considerações e distinções contratuais. passo a examinar como a fraude pode se manifestar no contrato de trabalho comum. regulado pela CLT. e no contrato de licença de uso de imagem que. nas mais das vezes, é firmado em paralelo ao contrato especial de trabalho desportivo.

3. A FRAUDE E A SUA MANIFESTAÇÃO NO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO E NO CONTRATO DE LICENÇA DE USO DE IMAGEM

No contrato de trabalho comum. vige a regra de que todos os atos praticados com o intuito de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da legislação trabalhista devem ser. obrigatoriamente. declarados nulos de pleno direito. Nesse sentido dispõe o artigo 9° da CLT. de seguinte teor:


7 Art. 28. A atividade do atleta prof issional é caracterizada por remuneração pactuada em co n· trato especial de trabalho desportivo, f irmado com entidade de prática desportiva , no qua l de· verá constar, obrigatoriamente: (Redação dada pela Lei n°12.395. de 2011).

I. cláusula indenizatória desportiva. devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à

qual está vinculado o atleta. nas seguintes hipóteses:

(...)

11. cláusula compensatória desportiva. devida pela entidade de prática desportiva ao atleta. nas hipóteses dos incisos lll a Vdo§5°(Incluído pela Lei n°12.395.de 2011).

"Art. 9° - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação."

De acordo com a teoria das nulidades aplicável ao contrato de trabalho, é sabido que elas podem estar relacionadas a aspectos subjetivos, quando vinculadas às partes envolvidas (v.g.: ausência de capacidade da(s) parte(s) para a prática válida do ato) ou, ainda, quando atreladas à higidez da manifestação de vontade, maculada por algum dos vícios de consentimento (erro, dolo ou coação).

As nulidades, por outro lado, também podem ter origem em aspect os objetivos relacionados ao ato. É o que se verifica quando existente no contrato de trabalho um dos vícios sociais (fraude à legislação trabalhista e simulação) ou, ainda, quando há ofensa aos requisitos legais exigidos à formalização lícita do ato (v.g.: objeto contratual ilícito ou inobservância da formalidade contratual exigida por lei, como, por exemplo, a forma escrita).

A título exemplificativo, trago à baila algumas situações defraude, bastante corriqueiras no âmbito das relações trabalhistas, e que, a toda evidência, devem ser duramente combatidas pela Justiça do Trabalho.Vejamos:

a) Um exemplo é a utilização por algumas empresas do chamado truck sistem, por meio do qual o empregado é coagido pelo empregador a utilizar o seu salá ri o com a aquisição de mercado rias e serviços dentro da própria Empresa. Por esse sistema, o empregador acaba por manter o empregado em condições de trabalho similares à de trabalho escravo, sendo uma prática de ocorrência bastante comum na zona rural. A utilização desse sistema, no entanto, é expressamente vedada pela CLT, em seu artigo

4628 que não teve a sua redação alterada pela Lei n°13.467/2017 (Lei da


8 Art. 462- Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.

§1° - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade

tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado. (Parágrafo único renumerado

pelo Decreto-lei n° 229, de 28.2.1967)

§2°- É vedado à emprêsa que mantiver armazém para venda de mercadorias aos empregad os ou serviços estimados a proporcionar-lhes prestações" in natura" exercer qualquer coação ou

induzimento no sentidode que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços. (Incluído

pe loDecreto-le i n° 229, de 28.2.1967)

§3° - Sempre que não fôr possível o acesso dos empregados a armazéns ou serviços não mantidos

pela Emprêsa, é lícito à autoridade competente determinar a adoção de medidas adequ adas, visando a que as mercadorias sejam vendidas e os serviços prestados a preç os razoáve is, sem intuito de lucro e sempre em benefício das empregados. (Incluído pelo Decreto-lei n° 229, de 28.2.1967)

§4°- Observadoo dispostoneste Capítulo, é vedado às emprêsas limitar, por qualquer forma, a liberdade

dos empregados de dispôr do seu salário. (Incluído pelo Decreto-lei n° 229, de 28.2.1967)

Reforma Trabalhista) e dispõe sobre a necessidade de observância dos princípios da irredutibilidade e intangibilidade salarial.

b) Outra situação também comum é a do chamado salário à forfait, por meio do qual o empregador estabelece um determinado valor para aremuneração de certas condições de trabalho. Exemplo: paga-se antecipadamente uma quantia "x" para a remuneração do labor extraordinári o, de modo que o empregado receberá aquele valor, independentemente do número de horas extraordinárias que venha efetivamente a prestar.

c) Há, também, a hipótese do "salário complessivo.., por meio do qual se cumulam, em um mesmo montante, distintas parcelas salariais. Vale lembrar que essa conduta não é admitida no âmbito da Justiça do Trabalho, encontrando expressa vedação na Súmula n° 91 do TSl segundo a qual 'Nula é a cláusula contratual que fixa determinada importância ou percentagem para atender englobadamente vários direi tos legais ou contratuais do trabalhador.".

Da interpretação extraída do referido verbete sumular, dessume-se que as verbas salariais devem ser pagas ao empregado de forma destacada no recibo de pagamento de salário, a fim de que sejam preservadas a identidade e a natureza jurídica de cada uma delas.

d) Outra situação de fraude à legislação trabalhista e que vem se tornando bastante comum nas relações de trabalho é a chamada "pejotização... Por meio dela, a partir do empregado (pessoa física). cria-se uma pessoa jurídica para ocultar a verdadeira relação de emprego. Dá-se, assim, lugar a uma situação jurídica de natureza civil, com a consequente sonegação dos direitos trabalhistas ao obreiro. Essa modalidade de fraude, embora comum, já é facilmente detectada, nos dias de hoje, pelo aplicad o r do Direito, que, ao examinar a causa, descaracteriza a ficção criada.

Outra situação que reputo importante salientar ao enfrentar a questão da fraude nas relações trabalhistas- até mesmo em função da alteração de entendimento dos Tribunais Superiores em torno da matéria- é a que diz respeito à terceirização, que, tradicionalmente, sempre foi tida por ilícita quando efeti vada na atividade principal da empresa tomadora dos serviços.

A aludida questão, contudo, após amplos debates e acirradas discussões entre doutrinadores e aplicadores da lei, foi recentemente decidida pelo e.Supremo Tribunal Federal, na sessão Plenária do dia 30.8.2018, por ocasião do julgamen-to conjunto da ADPF 324, de relataria do Exm.0 Ministro Roberto Barroso, e do

Recurso Extraordinário n.0 958252, em repercussão geral, de relataria do Exm.0

Ministro Luiz Fux, ocasião em que foi fixada a seguinte a seguinte tese jurídica: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante':

Feitas, portanto, essas breves considerações acerca da fraude no contrato de trabalho comum, e transpondo tais diretrizes gerais para o cenário jurídicodesportivo, passo agora a analisar as formas como a fraude pode se manifestar no contrato de licença de uso de imagem, que, na maior parte das vezes, é firmado paralelamente ao contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional com a entidade esportiva.

De plano, registro que o Decreto n° 7.984/2013, que regulamenta a Lei Pelé, repete, no§ 2° do artigo 459, a mesma norma imperativa contida no artigo 9° da CLT, afirmando que, também em relação ao contrato de licença de uso de imagem, serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar as garantias e direitos trabalhistas do atleta.

Antes, contudo, de adentrar propriamente no exame da questão atinente à fraude, teço, aqui, algumas rápidas considerações acerca do direito de imagem para uma melhor compreensão do tema em debate.

Trata-se o direito de imagem de um direito fundamental e individual do atleta, consagrado no artigo 5°, V e X, da Constituição Federal de 198810 que

9 Art. 45. O direito ao uso da imagem do atleta, disposto no art. 87·A da Lei n° 9.615, de 1998, pode ser por ele cedido ou explorado, por ajuste contratual de natureza civil e com f ixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contratoespecial de trabalho desportivo.

§lo.O ajuste de natureza civil referente ao uso da imagem do atleta não substitui o vínculo trabalhista entre ele e a entidade de prática desportiva e não depende de registro em entidade de administração do desporto.

§2o.Serão nulos de pleno direito os atos praticados através de contrato civil de cessão da imagem

com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar as garantias e direitos trabalhistas do atleta.

10 Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(...)

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

possui caráter personalíssimo e relaciona-se à veiculação da sua imagem individualmente considerada. Difere. pois. do direito de arena. porquanto esse último se refere à exposição da imagem do atleta enquanto mero partícipe de um evento futebolístico.

Sintetiza com maestria André Pessoa (Atualidades sobre direito esportivo no Brasil e no mundo, Editora Seriema, p. 72), ao afirmar que o direito de imagem consiste na "a prerrogativa que tem toda pessoa natural de não ter violada a sua intimidade, pela veiculação de seu corpo e/ou voz, sem que haja a sua expressa autorização':

O direito de imagem, como se sabe, é um tema de extrema relevância na seara do direito desportivo e trabalhista. Isso porque é bastante comum a celebração. pa raleiam ente ao contrato de trabalho. de um contrato de licença do uso de imagem, consistindo este num contrato autônomo de natureza civil, conforme o disposto no artigo 87-A da Lei n° 9.615/98 (Lei Pelé)11•

Mediante o contrato de licença do uso de imagem, o atleta, em troca do uso de sua imagem pela entidade de prática desportiva que o contrata. obtém um retorno financeiro, de natureza jurídica não sala ria!.

Tal contrato, equivocadamente chamado por alguns de "contrato de imagem" ou "contrato de cessão de imagem': é aquele em que o atleta profissional autoriza a utilização da sua imagem fora de sua atuação atlética no espetáculo desportivo, cuja finalidade precípua é angaria r patrocinadores. associados. vender produtos. divulgar a marca da entidade de prática desportiva e outras promoções.

Efetivamente. esse contrato autônomo de licença de uso de imagem "tem por intuito utilizar a sua imagem fora da jornada de trabalho. extracampo. de forma diferente da que é utilizada no âmbito da relação empregatícia, implícita à sua profissão. Isso porque a profissão de atleta. assim como a de ator. jornalista, apresentador de programa, possui uma característica especial no qual se pressupõe a difusão de sua imagem durante sua atividade laboral': (O Direito Desportivo e a Imagem do Atleta, Felipe Legrazie Ezabella, p.ll4).


11 Art. 87-A.Odireito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos. deveres e condições inconfundí· veis com o contrato especial de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei n°12.395. de 2011). Parágrafo único. Quando houver. por parte do atleta. a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo. o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta. composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem. (Incluído pela Lei n°13.155. de 2015)


Ora, se se trata de um contrato cujo objetivo já se pontuou- exploração da imagem do atleta profissional fora da jornada de trabalho em benefício da entidade de prática desportiva-, forçoso entender-se que poderá o atleta celebrar dita avença estabelecendo verdadeiramente os limites da utilização de sua imagem para os fins determinados no contrato.

Como todo e qualquer contrato, para que seja válido, faz-se necessário o preenchimento de certos requisitos, desde aqueles comuns a todo e qualquer negócio jurídico - agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei (artigo 104 do CC) - bem como aqueles específicos, conforme consignado por Carlos Alberto Bittar (Os direitos da personalidade, 4a Ed., Forense, 2000, p. 45):

"Os contratos devem especificar a finalidade, as condições de uso, o tempo, o prazo e demais circunstâncias que compõem o conteúdo do negócio, interpretando-se restritivamente, ou seja, permanecendo no patrimônio do licenciante outros usos não enunciados por expresso. Não podem esses contratos- quando de exclusividadeimportar em cerceamento da liberdade da pessoa ou sacrifício longo de sua personalidade, sendo considerada nula, como cláusula potestativa, a avença que assim dispuser"12

Feitas tais considerações, devemos passar para a questão controvertida que se situa na discussão acerca da relação existente entre o contrato especial de trabalho desportivo e o contrato autônomo de licença de uso de imagem. Isso porque este é um contrato autônomo, celebrado paralelamente ao contrato especial de trabalho desportivo com a entidade de prática desportiva, razão pela qual se questiona a possibilidade de este ser utilizado como meio de fraudar as normas trabalhistas, previdenciárias e tributárias.

Não se nega que o contrato de licença de uso de imagem pode, sim, ser firmado com nítido intuito fraudulento. Nesse caso, as entidades de prática desportiva utilizam-se desse contrato para mascarar a remuneração paga aos atletas e, desta forma, reduzir a incidência dos encargos fiscais e trabalhistas. Isso porque uma parte da remuneração é paga como salário, mas a outra parte, e normalmente a maior, é paga a título de direito de imagem, que ostenta natureza nitidamente civil.


12 BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade; 4a ed., RJ: Forense. 2000, p. 45.

O que se tem que ter em mente, contudo, é que a fraude não se presume, havendo.pois. que ser devidamente com provada. exceto em casos excepcionais.

nos quais o legislador erigiu como presumíveis e que estão bem expressas no

Código Civil. como são exemplos os artigos1631

e166. VP4•

A sua comprovação cabal nos autos do processo faz-se necessária em função das consequências advindas da sua declaração. No caso específico do contrato de licença de uso de imagem. uma vez comprovada e declarada judicialmente a fraude,fica descaracterizada a sua natureza jurídica civil, de mo do que os valores pagos a esse título passam a ostentar natureza tipicamente remuneratória. Daí a importância da sua comprovação, porquanto, na dúvida, há que prevalecer o princípio da boa fé objetiva. prevista no artigo113 do Código Civil.

Emsituações de reconhecimento da fraude.afirma RicardoGeorges Affonso

Miguel que:

"(...) não se está a alterar a natureza jurídica do instituto, apenas a dizer que, no determinado caso, não se tratava de exploração de imagem.mas sim de remuneração"1s.

Assim, muito embora alguns fatores, quandotomados isoladamente, possam, à primeira vista. caracterizar a fraude. temos que os contratos de licença de uso de imagem devem ser analisados caso a caso, dentro do contexto em que foram formulados. porquanto apenas uma análise global dos termos em que firmados permitirá o reconhecimento do seu caráter ilícito. Somente assim será possível concluir-se se o referido contrato foi. ou não. concebido com o único objetivo de desvirtuar a correta aplicação da legislação trabalhista. com consequências de ordem tributária e previdenciária.

Logo. para evitar o reconhecimento da fraude. é natural que as entidades de prática desportiva e os atletas profissionais queiram estabelecer, em contratos particulares (por se tratar de direito personalíssimo). condições acerca da


13 Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algumcredor.

14 Art.166.É nulo onegócio jurídico quando:

(...)

Vl- tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

1S MIGUEL. Ricardo Georges Affonso. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA RELAÇÃO LABORAL: DIREITO DE IMAGEM NOS ESPORTES ELETRONICOS SOB AÓTICA LUSO BRASILEIRA

-Rio de Janeiro:Revista AcademiaNacionalde Direito Desportivo (ANDD), Ano 2,n°3.janeiroa junho 2017.p.102.


exploração da imagem dentro de situações absolutamente bem definidas e delineadas na avença.

Vale relembrar que o próprio dispositivo de lei que cuida e regula dita contratação personalíssima, além de dizê-la de natureza civil (com caráter indenizatório), exige que sejam fixados os direitos, deveres e condições de forma inconfundível como contrato especial de trabalho desportivo.

A despeito desse quadro de aparente clareza, diversas ações têm sido propostas perante a Justiça do Trabalho, com o intuito de aferir se os contrat os de licença de uso de imagem foram entabulados em fraude às normas trabalhistas, comevidentes consequências previdenciárias.

Observam-se. exemplificadamente. casos em que se constata que o pagamento feito mensalmente pelas entidades de prática desportiva a título de contrato de licença de uso de imagem supera consideravelmente o valor correspondente aos salários; em outros. há o pagamento mensal e habitual e sem nenhum registro de que tenha havido exploração efetiva da imagem do atleta profissional de qualquer natureza; em outros. o atleta é o único sócio da empresa constituída. e.finalmente. em outros.a entidade de prática desportiva é o único "cliente" da empresa constituída pelo atleta profissional.

Tem-se. como se viu. uma gama enorme de fatores que. segundo a jurisprudência. podem afetar a regularidade na contratação da licença de uso de imagem do atleta profissional. o "direito de imagem" do jogador de futebol. levando à constatação de que efetiva mente ocorreu fraude nessa contratação.

A meu ver. todos esses sinais. todas essas situações apontadas acima. entre tantas outras. apresentam-se. sim. como informações importantes para que se produza um exame acurado da situação fática que envolve a contratação do "direito de imagem': Porém. não se mostram aptas. por si só. a configurarem a fraude.

Como já se afirmou. devemos sempre partir do pressuposto de que a fraude não se presume e que deve ser cabalmente comprovada.

Nesse sentido leciona Ricardo Georges Affonso Miguel. na Revista ANDO. Ano 2. n° 3. janeiro a junho 2017. no capítulo intitulado "Os Direitos da Personalidade na Relação Laboral: Direito de imagem nos esportes eletrônicos sob a ótica luso brasileira" (p.l 03):

"Portanto, no quesito fraude, os contratos de licença de uso de imagem devem ser analisados casuisticamente, pois não existe regra que demonstre efetivamente se estar diante de um caso de burla, ou de efetiva negociação civil entre as partes:'16

Esse mesmo autor relaciona, no referido artigo, situações que, a seu ver, podem

levar ao reconhecimento da fraude no contrato de licença do uso de imagem:

"Exemplos de casos que podem caracterizarfraude são atletas sem qualquer expressão de imagem que recebem a maior parte da remuneração em decorrência de contrato de tal natureza; ou o atleta que progride na carreira, mas o salário não se altera, apenas aumenta o valor relacionado à imagem'7

Com efeito, a parcela paga em razão do direito de imagem deve, obviamente, guarda r a necessária correia ção com a imagem que o atleta profissional ostenta no cenário desportivo. Daí resulta que, a princípio, em não havendo notoriedade pública do atleta no âmbito esportivo, não se justifica que a maior parte daremuneração a ele paga seja decorrente do contrato de licença de uso de imagem.

Não se pode olvidar, contudo, que a Lei n°13.155/2015, ao incluir o parágrafo único no artigo 87-A da Lei n° 9.615/98 (Lei Pelé), estabeleceu um limite para a remuneração a ser paga pela cessão de direitos pelo uso da imagem. Fixou-se, no referido artigo 87-A, que o valor pago a esse título não pode ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta.

A propósito, trago à baila a redação do aludido dispositivo de lei:
"Art.87-A

(...)

Parágrafo único. Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor cor-


16 MIGUEL. Ricardo Georges Affonso. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA RELAÇÃO LABORAL: DIREITO DE IMAGEM NOS ESPORTES ELETRONICOS SOB AOTICA LUSO BRASILEIRA

-Rio de Janeiro:Revista AcademiaNacionalde Direito Desportivo (ANDD), Ano 2, n°3.janeiroa junho 2017,p.103.

17 MIGUEL, Ricardo Georges Affonso. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA RELAÇÃO LABORAL: DIREITO DE IMAGEM NOS ESPORTES ELETRONICOS SOB AOTICA LUSO BRASILEIRA

-Rio de Janeiro:Revista AcademiaNacionalde Direito Desportivo (ANDD), Ano 2, n° 3.janeiroa junho 2017,p.102.


respondente ao uso da imagem não poder ultrapassar 40% ( quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem:' (NR) (grifo nosso)

Não se nega que a fixação desse limite foi estabelecida pelo legislador como uma maneira de impedir a configuração de fraude. Na prática, porém, essa limitação pode acabar sendo prejudicial ao atleta.

Vejamos, por exemplo, a situação de um atleta que tenha pouca notoriedade no cenário desportivo e, por essa razão, a entidade de prática desportiva, a pretexto de observância do limite legalmente fixado, estabelece o pagamento pelo uso da sua imagem em 40% da remuneração total que lhe for paga, mas, na prática, não utiliza a imagem na proporção dos valores acordados.

De ilicitude não se trata, porquanto, no caso, houve observância do limite estabelecido na lei, mas, na visão de alguns doutrina dores, essa situação pode levar à configuração de fraude.

Considerando, pois, essa situação hipotética, o i. advogado Dr. Fabricio Trin- dade de Sousa, acadêmico da ANDO, assevera que:

"(...)a prova de tal desproporção será uma tarefa árdua para os atletas, considerando que o legislador afirmou que até 40% do salário não há fraude na contratação da alienação do direito de imagem do atleta:'18

Há doutrinadores que entendem, ainda, que a não utilização da imagem do atleta profissional pela entidade de prática desportiva constitui elemento suficiente à configuração da fraude.

Nesse sentido defendem os autores Cláudio Scandolara, Leonardo de Oli veira Scandolara e Gilmar Athoff da Silva, no artigo "Direito de Imagem e Direito de Arena do Jogador de Futebol":

"Vejamos a realidade: o jogador assina um contrato de cessão do uso de sua imagem com um clube de futebol através de pessoa jurídica, cujo capital social foi integralizado com seu direito de imagem. Entretanto, na prática, a regra é de que o esp artista não tem sua imagem efetivamente utilizada pelo seu empregador e cessionário


18 SOUSA. FabricioTrindade de. JOTA OPINIÃO & ANALISE, Direito em jogo- Direito de Imagem:

limitação imposta pela Lei Pelé, incentivo à fraude.- 25/8/2016.


(clube), o que nos leva a crer que este contrato é avençado única e exclusivamente com o intuito de burlar o sistema tributário, para que os clubes paguem menos impostos.

Caso ocorra a realidade exemplificada no parágrafo anterior. fica evidenciado que o pretenso contrato civil não cumpriu seu principal objetivo: a utilização da imagem do jogador de futebol. Nestas hipóteses. o contrato de cessão do uso de direito de imagem nada mais é do que uma vestimenta para acobertar a natureza salarial dos pagamentos efetuados ao cedente, o que esbarra no primado darealidade e resulta na presunção defraude:'19

Pessoalmente. penso que o fato de ter sido firmado com o atleta um contrato autorizando a cessão do uso da sua imagem não obriga a entidade de prática desportiva a dela se utilizar. A meu sentir, a utilização, ou não, da imagem do atleta pela entidade de prática desportiva não é fator determinante ao reconhecimento da fraude, como alguns doutrinadores entendem.

Além da falta de previsão legal nesse sentido. pode ser que a entidade de prática desportiva não tenha tido, ainda, a oportunidade de explorar a imagem do atleta em alguma publicidade ou campanha.

Ademais. cabe à entidade de prática desportiva explorar. da melhor forma que lhe aprouver- nos limites do contrato- o nome, apelido desportivo, voz e imagem do atleta na realização de atividades desportivas por ela promovidas ou patrocinadas.

Situação semelhante é a que se passa quando firmamos um contrato de seguro. por meio do qual "(...) o segurador se obriga. mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa. contra riscos predeterminados:'20 Nesse caso. o contrato existe. é válido e está apto à produção dos efeitos jurídicos pretendidos pelas partes, mas o objeto segurado pode não ser efetivamente utilizado. E isso. contudo. não torna fraudulenta a contratação levada a efeito dentro dos ditames da lei.


19 SCANDOLARA, Cláudio. SCANDOLARA, Leonardo de Oliveira. SILVA, Gilrnar Athoff da. Direito de Imagem e Direito de Arena do Jogador de Futebol.- Porto Alegre·RS: Ed. HS, Revista Justiça do Trabalho, Ano 28, n° 333. setembro de 2011, p.83

20 Art. 757. Pelo contrato de seguro. o segurador se obriga. mediante o pagamento do prêmio. a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa. contra riscos predetermi· nados.

Parágrafo único. Somente pode ser parte. no contrato de seguro. como segurador. entidade para tal fim legalmente autorizada.


Outro aspecto a ser abordado em relação à fraude é que a limitação imposta pela lei pode afigurar-se injusta em algumas situações. A título de exemplo, veja a hipótese de um atleta que tenha notória expressão no mundo desportivo. proporcionando um grande retorno financeiro à entidade de prática desportiva. mas que tenha a licitude do contrato pelo uso da sua imagem atrelada à observância do percentual de 40% (quarenta por cento).

Na situação específica do ex-jogador Ronaldo Nazário, o "Fenômeno", é possível afirmar que, muito provavelmente, não teria sido firmado o contrato de licença de uso de imagem se. à época em que foi contratado pelo Sport Club Corinthians Paulista. em 2008, vigorasse a limitação dos 40% (quarenta por cento). atualmente prevista no artigo 87-A da Lei n° 13.155/2015. Isso porque. nesse caso, o aludido contrato não lhe seria interessante financeiramente.

Na época, contudo, não existia a referida limitação, de modo que, embora o aludido ex-jogador tenha sido contratado pela entidade de prática desportiva com remuneração baixa, teve o contrato de licença de uso de imagem firmado em valor bastante superior. sem que. comisso.tenha ficado configurada a fraude.

Na ocasião. o Corinthians firmou contrato com a Empresa Hypermarcas. por meio do qual ficou negociado que a referida entidade cederia um espaço nas mangas das camisas do uniforme. Por esse contrato. o ex-jogador ficaria com 80% (oitenta por cento) do montante. Frise-se que esse f o i apenas um dos vários contratos firmados pela entidade de prática desportiva.

A respeito do caso específico envolvendo o ex-jogador Ronaldo, veja-se a opinião de RicardoGeorges Affonso Miguel:

"(...)É conhecido o caso do Atleta Ronaldo Nazário. chamado de Fenômeno. hoje aposentado dos campos. que foi contratado pelo Sport Club Corinthians Paulista com remuneração baixa. Porém. com vultosos valores em contrato de cessão do uso de imagem, o que possibilitou ao Clube vender um número recorde de camisas, bem como angariar vários novos patrocinadores:'21

Ressalte-se, também, ser bastante comum, no âmbito desportivo, que o atleta constitua uma pessoa jurídica para o efeito de gerir o contrato de licença de uso da imagem firmado entre ele e a entidade desportiva.


21 MIGUEL. Ricardo Georges Affonso. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA RELAÇÃO LABORAL: DIREITO DE IMAGEM NOS ESPORTES ELETRONICOS SOB A ÓTICA LUSO BRASILEIRA

-Rio de Janeiro:Revista Academia Nacionalde DireitoDesportivo(ANDD), Ano 2, n°3.janeiroa junho 2017. pp.102/103.


Nesse ponto, há de ressaltar-se que a simples constituição de uma pessoa jurídica para gerenciar o contrato de licença de uso de imagem, tendo, como sócio único ou majoritário, o atleta profissional e, como única cliente, a entidade de prática desportiva, não implica, por si só, fraude às normas trabalhistas. Isso porquesetrata de um negócio jurídico regido pela legislação civil, além do que a fixação de direitos, deveres e condições serão entabula das nos estritos termos da norma de regência.

Vejamos a hipótese de uma pessoa jurídica que tenha sido constituída, por exemplo, nas condições acima, porém muito tempo antes da assinatura do contrato entre o atleta e a entidade desportiva. Trata-se de uma circunstância a ser considerada quando da análise da configuração, ou não, da fraude.

É claro, contudo, que a constituição de pessoa jurídica pode, em determinadas situações, configurar a fraude. Isso se dará, v.g., quando a sua constituição se der mediante dolo ou coação, ou seja, mediante vontade viciada por parte do atleta. Haverá, aqui, o chamado vício de consentimento, apto, como visto, a invalidar o ato jurídico.

Outro indício de fraude consiste em contratos firmados com valores exorbitantes para a exploração da imagem do atleta, que não guardam uma proporção razoável com o salário por ele percebido. Isso porque, em regra, tais contratos não podem ostentar valores altamente discrepantes em relação ao salário do atleta.

É claro, contudo, que essa situação há de ser examinada à luz das particularidades do caso concreto, porque há hipóteses em que a enorme notoriedade ostentada pelo atleta pode justificar o valor atribuído ao contrato de licen ça de uso de imagem. Foi o que se deu, por exemplo, com o ex-jogador Ronaldo, anteriormente citado.

Corroborando com esse entendimento, está a doutrina do especialista Felipe Legrazie Ezabella, em seu artigo "O direito desportivo e a imagem do atleta': ao observar que são muitos os atletas no cenário mundial que possuem uma enorme facilidade de promover marcas e produtos, de maneira que o simples fato de o contrato de licença ao uso da imagem ser superior ao de trabalh o não configura fraude. Vejamos:

"Deve-se lembrar que não há qualquer óbice legal que impeça que o valor do contrato de licença ao uso da imagem seja superior a o de trabalho. São muitos os atletas no cenário mundial atual que possuem uma imensa facilidade em promover eventos, competições, divulgar marcas e produtos e estrelar comerciais e campanhas publicitárias.

E a mensuração do valor da imagem passa por critérios subjetivos como a conduta moral do atleta. sua disciplina. como por critérios objetivos como a performance. reconhecimento perante o público. mídia espontânea gerada no torneio.

Dessa forma, o simples fato de o contrato de licença ao uso de imagem ser superior ao de trabalho não configura qualquer fraude, devendo, como já dito, ser examinado no caso concreto:'22

Pessoalmente. entendo que a fraude não pode ser reconhecida com base na mera desproporção entre o salário e a parcela paga ao atleta a título de direito de imagem.

A meu ver. o simples fato de o atleta perceber. por força do contrato de licença de uso de imagem, valor igual ou muitas vezes superior ao seu salário, por si só. não enseja a constatação de fraude. pois. na dicção do artigo 87-A da Lei n° 9.615/98. que disciplina a matéria, exige apenas e tão somente que as bases sejam fixadas e que o sejam. aliás. de forma inconfundível com as eleitas para o contrato especial de trabalho desportivo.

Igualmente não induz à fraude a circunstância de o contrato de licença de uso de imagem coexistir com o contrato especial de trabalho desportivo. porquanto ambos guardam individualidade, conteúdo e vigência próprios.

De fato. a doutrina tem defendido a possibilidade de coexistência do contrato de cessão de imagem com o contrato de trabalho do atleta profissional. desde que tal contrato tenha destinação específica e real de exploração da imagem. Assim ensina o professor e juiz do trabalho Dr.Mauro Schiavi. em seu artigo "Aspectos Controvertidos Do Direito de Imagem e Direito de Arena do Atleta Profissio na i de Futeb oi":

"Acreditamos. salvo os casos de fraude. que é possível o contrato de cessão de imagem conviver com o contrato de trabalho do atleta profissional, como um contrato acessório de natureza civil, desde que tal contrato tenha destinação específica e real, como por exemplo:as vendas de camisas do time, figurinhas, comerciais de televisão, etc, e em valores razoáveis e não sirva para mascarar o pagamento de salários.


22 EZABELLA, Felipe Legrazie. "O direito desportivo e a imagem do atleta." São Paulo: IOB Thomson,

2006, p.139


(...)

Desse modo, em compasso com os requisitos acima fixados, o co ntrato de cessão de imagem tem natureza civil. autônoma e acessório ao contrato de trabalho. e o pagamento pela utilização da imagem do atleta. salvo hipótese de fraude. não se confunde como salário"

Outro aspecto a ser salientado- e que, a meu juízo, mostra-se sobremodo relevante para o afastamento da fraude-. diz respeito ao fato de que o atleta profissional. ao assinar o contrato de licença de uso de imagem. encontra-se. na maior parte das vezes, acompanhado por um agente ou advogado.

Tal circunstância. a toda evidência. dificulta que o referido contrato venha a serfirmado maculado por um vício de vontade do atleta profissional.

4. CONCLUSÃO

Por todo o exposto. constata-se que a questão tratada no presente artigo é bastante delicada, já que não há como se traçar um critério único e objetivo para a aferição da fraude.

A sua análise. como visto. há que se dar caso a caso.à luz das particularidades em que firmado o contrato de licença de uso de imagem, devendo, também, serem levadas em consideração as partes envolvidas e a notoriedade ostentada pelo atleta no cenário desportivo.

Caberá. pois. à doutrina. debruçar-se no estudo do tema e. assim. traçar algumas linhas gerais sobre a matéria, de forma a orientar os aplicadores da lei para uma boa. correta e justa solução das lides surgidas no cenário jurídico desportivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade; 4a ed.,RJ:Forense, 2000. EZABELLA. Felipe Legrazie. "O direito desportivo e a imagem do atleta:' São

Paulo:IOBThomson, 2006.

MIGUEL, Ricardo Georges Affonso. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NA RELAÇÃO LABORAL: DIREITO DE IMAGEM NOS ESPORTES ELETRÔNICOS SOB A ÓTICA LUSO BRASILEIRA- Rio de Janeiro:Revista Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDO). Ano 2,n° 3. janeiro a junho 2017.

SCANDOLARA, Cláudio. SCANDOLARA, Leonardo de Oliveira. SILVA. Gilmar Athoff da.Direito de Imagem e Direito de Arena do Jogador de Futebol.- Porto Alegre-RS:Ed.HS.Revista Justiça do Trabalho.Ano 28,n°333.setembro de 2011.

SCHIAVI,Mauro. "Aspectos Controvertidos Do Direito de Imagem e Direito de

Arena do Atleta Profissional de Futebol':

SOUSA. Fabricio Trindade de. JOTA OPINIÃO & ANÁLISE, Direito em jogo

- Direito de Imagem: limitação imposta pela Lei Pelé, incentivo à fraude. -

25/8/2016.

SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA. Segadas. Instituições de direito do trabalho.g.ed.São Paulo.1983. v. I.Biblioteca Jurídica Freitas Bastos.

VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Manual de Direito do Trabalho

Desportivo.São Paulo: Ltr. 2016.

Veja também